AMARILIS

O quarto de Amarilis era escuro. Alguns móveis, poucos objetos decorativos sobre uma prateleira de imbuia, uma cortina de veludo vermelho, desgastada. Sobre o criado mudo, a caixa de costura era, de fato, quando aberta, a única manifestação de cores revelada através das linhas de bordar. 

Quando bordava, sentava-se numa poltrona puída, herança de família. Gostava dos tons pastéis: flores, pássaros, a natureza sendo exposta sobre um linho leve e claro. As mãos delicadas de Amarilis, alvas e macias, desenhavam no espaço movimentos suaves ao transpassar com a agulha o tecido, imprimindo nos gestos curvos e graciosos um pouco de si. 

Por isso, para mim, foi uma surpresa ao me ver nas mãos de Amarilis; logo eu, um carretel de linha vermelha, cor de sangue vivo. Confesso que, por um momento, me senti coagido, pois jamais havia sido retirado da caixa de costura. Amarilis , abruptamente, cortou um pedaço grande da minha linha. Nesta hora, sua mãe bateu na porta: - Amarilis, abra a porta! Amarilis, você não sai deste quarto? Amarilis, precisamos conversar?! Amarilis, saía já! O que lhe deu, menina? Está louca? Amarilis!. Bateu uma última vez e desistiu. 

Amarilis pegou a linha, passou por dentro do buraco da agulha e deu o nó. Por instantes, fixou o olhar na agulha e disse: - Não tenho mais nada a falar nesta vida. 

Num gesto agressivo, perfurou sua pele, no canto da boca, deixando escorrer o sangue pela linha vermelha. Rapidamente, alinhavou a boca. Da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, até a boca franzir com um arremate violento. 

Amarilis que não queria mais falar, nunca mais bordou com tons pastéis.


Deborah Brum
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