O HAIKAI DE SILVIA ROCHA

O Jornal d’aqui é a mídia mais antiga, a primeira de nossa região. E, como tal, sempre procurou incentivar os artistas, os profissionais, o comércio local, embasando-se em princípios éticos afim de promover melhorias e atender as necessidades coletivas da nossa região.
Por isso eu, colunista de literatura do Jornal d’aqui, acredito que minha contribuição, naquilo que posso oferecer, seja também valorizar os escritores daqui, da Granja Viana.
Por isso, a partir de hoje, além das matérias mensais, escreverei também sobre os escritores que moram na nossa região.
A princípio, eu faria uma entrevista com os escritores, porém, numa comunidade como a nossa, onde o tempo parece mais lento e os encontros acontecem até no trânsito parado da Raposo Tavares, as entrevistas tornaram-se encontros, novas amizades; e eu, com eles, com os meus “entrevistados”, acabei por “entrevistar” a mim mesma, e que bom que tenha sido assim, porque a literatura pode ser
um encontro, uma entrevista com você mesmo.
Nesta primeira matéria sobre os escritores d’aqui, meu encontro foi com Silvia Rocha, autora de “Estação Haikai” e “Gestação Haikai”, um livro dois em um, que reúne alguns dos haikais da autora.
Marcamos a “entrevista” num café da região. Era verão, faz tempo, eu sei, ela sabe. Mas não foi fácil escrever esta matéria, porque, além de ser a primeira de um ciclo de encontros que virão, o haikai não me era algo tão familiar, mas eu precisava adentrar nesse mundo desconhecido para que pudesse trazer nas palavras não só explicações, mas as emoções.
O espaço era iluminado com a luz do sol da manhã, no final de janeiro, através das janelas do café onde estávamos.
– Por favor, dois cafés e uma fatia de bolo? – dividimos um pedaço de bolo. Naquele instante, com o sol brilhando, num dia de verão, dois cafés e uma fatia de bolo sobre a mesa, a nossa conversa já estava permeada com a essência dos haikais.
Sonhos de verão
perturbações se vão
brisa de eucaliptos
( Silvia Rocha)
O haikai é um poema de origem japonesa, que chegou ao Brasil no início do século 20. Sua estrutura formal e tradicional é composta de três versos, sendo que o primeiro e o terceiro são pentassílabos, ou seja, formados por cinco sílabas, e o segundo constituído de sete sílabas, heptassílabos. Bashô, o mestre dos haikais tradicionais, declarava que falar com elegância não é falar sobre elegância, por isso nos haikais tradicionais é importante a simplicidade da produção: palavras supérfluas ou metáforas devem ser eliminadas, afim de se obter uma proporção de equilíbrio estético. O haikai tradicional ainda expressa um momento de visão da natureza do mundo ou do mundo natural, ou seja, nele se revela um momento geralmente ligado à natureza de alguma forma.
O velho tanque –
Uma rã mergulha,
Barulho de água.
Tradução de Paulo Franchetti e Elza Doi
Porém, hoje, já observamos haikais que não obedecem de maneira tão rígida a estrutura formal dos haikais, como os de Bashô, o mestre do haikai tradicional.
No Brasil, Paulo Leminski, maravilhoso poeta, foi um dos grandes estudiosos da arte. Silvia, envolvida pelo zen, pelos ideogramas, pela caligrafia e pelos desenhos japoneses, entra em contato com a obra de Paulo Leminski, “Bashô” – e esse livro causará um grande impacto em sua a vida e obra, modificando seu percurso como escritora , e modificando o seu olhar com relação ao mundo.
primavera
não nos deixe
pássaros choram
lágrimas
no olhar do peixe
( tradução: Paulo Leminsky, in Bashô, a lágrima do peixe, ed. Brasiliense, 1983)
Silvia se expressa nos haikais com sensibilidade e delicadeza. Seus haikais revelam um instante, não só do mundo de fora, mas de seu interior também. Lendo seus poemas, seus haikais, sentimos que o pouco escrito diz muito, e tanto, que consegue captar a vida num acontecimento através da contemplação. E é , justamente, àquele presente que se perde com a pressa de nosso olhar, que Silvia Rocha dá forma, revela e expressa nos seus haikais.
E, todos os dias, quando leio um de seus haikais, eu choro como os pássaros, e minhas lágrimas tornam meu olhar mais brilhante, um olhar de peixe, talvez?
O livro de Silvia Rocha pode ser encontrado na Livraria Nobel, no Shopping The Square. Além disso, ela também ministra oficinas sobre o tema.
Para entrar em contato com a escritora, basta acessar o seusite ou sua página no facebook:
E sem pretensão, pois não faço  haikai, escrevo num só fôlego, aqui, neste pequeno poema, a sensação que me ficou do nosso encontro numa manhã de verão.
                                  Manhã de verão
                                    Fatia de bolo
                                  Eu, mais viva.
Obrigada, Silvia.

Publicado no Jornal D'aqui, Granja Viana
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