A POESIA DE ALBERTO LINS CALDAS

É segunda-feira, o dia da semana mais confuso para mim. A casa ainda tem o cheiro da saudade dos amigos que vieram no final de semana. Na pia, a louça suja espera para ser lavada. Também é dia de trocar os lençóis. Mas antes que eu consiga colocar minha mente em ordem, tenho muito a fazer: preparar o café, levar os filhos à escola, pensar no almoço, dar comida aos cachorros. A louça continua suja, mas eu não fico incomodada. Não gosto de pia limpa. Enquanto eu tiver pratos para lavar, menor será a solidão.
Subo e desço as escadas vinte, trinta vezes. Demoro para me animar. Tomo um café forte e vou para o computador. Abro o facebook para ler as poesias de Alberto Lins Caldas, publicadas às segundas. Seus poemas são as pílulas que alimentam minha alma e trazem de volta meu animus e, animada, estou pronta para continuar.
Conheci a obra de Alberto Lins Caldas com uma amiga que também é escritora. Eu estava desiludida com a literatura.
Na semana anterior, tinha ido a um evento literário e, de um modo geral, as poesias, que foram apresentadas ali, eram tentativas de cópias das cópias dos poemas de Bukowski. Que coisa terrível! Foi triste constatar que ainda há espaço para poetas fajutos, que constroem suas escritas preenchidos apenas por seus egos enormes, numa mesa de bar. Sabe aqueles versinhos, geralmente de revolta, que escrevíamos em guardanapos quando éramos adolescentes e achávamos o máximo? Quase isso. Um pouco melhor, talvez. Mas isso é uma outra história.
Voltemos a Alberto Lins Caldas. Onde eu estava mesmo? Ah, que seus poemas me preenchem a alma, às segundas-feiras. Seus poemas são fortes, tensos, tristes, irônicos. Seus escritos são sentidos no umbigo, pois potencializam a natureza humana e a vida. As palavras, de tão intensas, desconstroem nossos paradigmas , fazendo-nos adentrar num estado de consciência que nos chama para a vida. Viver é um paradoxo, um embate constante do desconhecido, que achamos que conhecemos, e do desconhecido que, de fato, não conhecemos. E, para nos libertar das angústias, tentamos dar sentido ao caos da nossa existência. Porém, às vezes , fugimos do confronto com o vazio que caracteriza a vida. Por medo, talvez. Como os covardes, que não vivem plenamente, um poeta covarde também não faz poesia, porque é preciso que o escritor tenha coragem para ser tomado pelo vazio da existência a fim de transformá-lo em palavras.
Alberto Lins Caldas, tomado de coragem, explora em suas obras as questões universais da humanidade com uma linguagem peculiar. Os seus poemas nem sempre são fáceis. Exige uma, duas leituras, às vezes, uma terceira. Encontramos em suas obras referências a assuntos que nem sempre conhecemos, exigindo de seus leitores análise e pesquisa. É importante lembrar que o hábito à facilidade, à mesmice, é o que nos torna covardes, burros, insensíveis. Seus temas são inquietantes, mostrando os conflitos do Homem na vida, fazendo- nos refletir sobre a célebre frase de Thomas Hobbes, filósofo inglês, ao afirmar que o homem é o lobo do homem, ou seja, que o homem é o maior inimigo dele mesmo.
Além da simbologia presente em sua poesia, a construção formal provoca um incômodo que, num primeiro momento, pode provocar um estranhamento ao leitor, mas esse é o propósito: sair do lugar comum, no qual estamos acostumados . Alberto Lins Caldas escreve com intensidade, paixão, revolta, dedicação, esforço, com animus. E como que existisse um elo direto do nosso umbigo com suas poesias, elas nos falam diretamente à alma.
Hoje é segunda-feira.
A pia está cheia de louça suja, os lençóis devem ser trocados, os filhos já estão na escola, já alimentei os cachorros e tenho que preparar o almoço.
Subo e desço as escadas vinte, trinta vezes.
Abro o meu facebook e, novamente, a poesia dele está lá.
Agora, estou pronta para recomeçar.
eu o duende e essa fome da porra
● não se pode provar a existência ●
● do q não existe essa é minha questão ●
● desde q o duende apareceu aqui em casa ●
● é absolutamente impossível sua existência ●
● se bem q sua fome não é difícil de provar ●
● ficamos horas sentados na mesa da cozinha ●
● comendo e descascando batatas e bananas ●
● é verdade q depois de preparado com o resto ●
● se torna nosso almoço e os bons jantares ●
● porq de manhã cedo nem ele nem eu comemos ●
● saturados pelo trabalho de preparar comidas ●
● saturados pelo comer sem cessar dia pós dia ●
● por isso mesmo não posso provar a existência ● do duende q vive aqui comigo e conversamos ●
● mas posso provar o trabalho com as verduras ●
● legumes frutas como a banana q adoramos ●
● e as batatas q não podem faltar sem trair ●
● a boa vida q temos sem precisar lá de fora ●
● mas não posso provar a existência do duende ●
● nem pra mim q vivo conversando com ele ●
● os mais variados assuntos como a vida ●
● entre os duendes e a fome q se alastra sobre ●
● nos como se fosse uma coisa monstruosa ●
● mas quanto a isso ele cai na gargalhada ●
● como se isso não importasse no universo ●
● mas eu digo e repito q a questão é ele ●
● a existência dele e não a da fome ●
● monstruosa desde q nos conhecemos aqui ●
● no meio da cozinha e de cara nos demos ●
● bem e de cara começamos a comer ●
● comer e preparar comidas ate o sono ●
● nos abater com a costumeira violência ●
● mas nada disso pode ser certo digo eu ●
● entre batatas e bananas ao duende ●
● q diz de repente se vc ta ficando louco ●
● eu também tou porq também como tudo ●
● o q preparamos e se isso fosse falso ●
● nada se prepararia nada se comeria nem ●
● eu nem vc nem o trabalho nem a fome ●
● basta olhar os sacos de lixo e vera q eu ●
● existo q eu tou aqui e comemos juntos ●
● toda essa monstruosidade q produzimos ●
● não é a toa q vc ta gordo dessa maneira ●
● não é a toa q já não sou nem duende ●
● de tão grande e gordo como tou ●
● qualquer dia desses vão pensar q eu ●
● sou um desses anões viciados em batatas ●
● q correm nus pela cidade gritando! batatas ●
● de qualquer maneira não se pode ser ●
● duende e ao mesmo tempo duvidar se é ●
● se não é duende como eu e com certeza ●
● nem se pode ser assim como vc duvidando ●
● ao mesmo tempo de mim da nossa vida ●
● em comum na cozinha e dessa fome ●
● um pianista se por um segundo pensa ●
● q é pianista mata a musica mata os dedos ●
● derrota o espetáculo inteiro pra sempre ●
● nos cabe ficar aqui preparando legumes ●
● verduras frutas raízes sem nenhuma carne ●
● nos deliciando apenas nisso e so nisso ●
● ja imaginou se eu começo a ter as mesmas ●
● duvidas as mesmas questões q vc o mundo ●
● para se dispersa se dissolve e a comida ●
● se perde degenera apodrece se torna inútil ●
● assim como nos 2 sem sentido e sem razão ●
● trabalhando sempre aqui sentados e idiotas ●
● terminarei apenas mais um anão nu ●
● correndo pela cidade e vc um imbecil ●
● esperando todas as noites irem pelo ralo ●

Veja também o vídeo com a poesia Essa dor


temor e cobiça
● o imperador morreu ●
● preciso lavar o imperador ●
● preciso deixar o imperador perfeito ●
● porq não se deve olhar o imperador ●
● morto como se o imperador fosse ●
● um qualquer sem se barbear ●
● sem roupas limpas e apropriadas ●
● sem o bigode aparado e bem penteado ●
● sem as unhas das mãos e dos pês ●
● devidamente cortadas como requer ●
● todo o protocolo das unhas cortadas ●
● de todo e qualquer grande imperador ●
● pois sabemos q ha o sabonete correto ●
● feito com leite de coco e jasmim ●
● batido com aloe vera e lírios ●
● pois sabemos q ha os perfumes certos ●
● q não podem ser almiscarados ou doces ●
● nenhum q atraia insetos ou desejos ●

Para conhecer mais a obra de Alberto Lins Caldas ou adquirir os seus livros, veja os links abaixo.
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Publicado no Jornal D'aqui, Granja Viana
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